O que se passa?
Da normalidade à psicopatologia
A questão da normalidade sempre ensombrou aqueles que se debruçam sobre a psicologia - quer seja quem a estuda, quer seja a quem a esta recorra. Cada vez é menos frequente a frase: "Não vou ao psicólogo, eu não sou maluco!". Mas, apesar de cada vez estarmos mais e melhor informados, o inconsciente colectivo ainda deixa o seu rasto quando queremos assumir a necessidade de pedir ajuda, pois está sempre latente a eterna questão: Serei normal?
O curioso da nossa mente é que normalidade e psicopatologia fazem parte de um contínuo com fronteiras muitas vezes ténues e facilmente transponíveis. Não quero aqui aprofundar teoricamente as definições e sub-definições de estados e estruturas psicopatológicas, pretendo apenas elucidar que não é simplesmente catalogando determinado funcionamento mental que encontraremos respostas específicas ou tratamentos milagrosos. Isso seria como identificar um sintoma e tratá-lo, não tendo em conta que ele representa muito mais do que a coisa em si - ele dá-nos conta daquilo que lhe subjaz, quer seja uma angústia insuportável, um sofrimento contínuo, uma insatisfação inexplicável, uma constante frustração, uma sensação de distanciamento de si mesmo, ou qualquer outro sentir que se camufla ou se manifesta em mecanismos inoperantes.
É importante, contudo, diferenciar que na saúde mental, tal como na saúde física, algumas pessoas podem estar temporariamente doentes e outras têm doenças mentais crónicas. Exemplificando, podemos passar por um estado depressivo (após um evento de perda como uma morte de um ente querido ou um divórcio); mas a depressão crónica e endógena tem contornos clínicos muito mais enraizados e limitativos. Para além disto, e para complicar um pouco mais as ideias, existem personalidades patológicas, em que o próprio carácter da pessoa tem alterações graves e muitas vezes impossibilitadoras de um funcionamento são.
Comecei este texto propositadamente com a 'normalidade' e não com a 'anormalidade' ou, no caso, a 'psicopatologia', exactamente para fomentar a controvérsia. Pois, embora, seja o desconhecido que normalmente nos angustia, é no conforto duma aparente normalidade que muitas vezes nos afundamos sem darmos por isso.
Quando os mecanismos mentais que sempre usámos parecem limitar fortemente o nosso quotidiano e não nos garantem um sentimento de existência satisfatória, ou quando deparamos com acontecimentos ou situações com os quais não sabemos como lidar, muito provavelmente precisamos de ajuda externa e especializada. Como tal, mesmo não estando em presença de nenhum tipo de psicopatologia, verifica-se uma falta de recursos internos a nível estrutural ou emocional que nos podem dar uma sensação de desgaste profundo e uma ineficácia e consequente frustração por não estarmos a responder aos outros, mas sobretudo a nós mesmos, da forma como desejaríamos. É aqui que devemos dar o passo do pedido de ajuda psicoterapêutica.